terça-feira, 3 de maio de 2011

Alzheimer - O peso do esquecimento.

Hoje lembro-me de tudo.
Aprendi a ler, a escrever, a cuidar.
Hoje, resta-me aprender as maneiras, a debilidade, o esquecimento.
Soube das cores, assim que soube da vida.
Aprendi o vento, a luz e as palpitações.
Hoje aprendo o olhar atento das enfermeiras, a leitura dos lábios e a... recordar.
Senti a brisa nos dias mais frios, o vento entrelaçado no meu cabelo.
Lembro-me do cheiro de cada primavera, do gosto de cada momento.
Ainda sinto a pele salgada de cada fez que fui á praia, os pés descalços, a emoção do primeiro filho.
Hoje lembro-me do passado,de todas as coisas, tudo o que sabia, tudo o que aprendi, tudo o que ensinei. 
Relembro as viagens, as paisagens, a primeira dança.
Recordo com ternura o primeiro amor, os tremores de cada paixão, o vazio das palavras, a ausência dos momentos.
Hoje recordo com saudade o passado, o presente não.
Não gostava  de me esquecer nunca mais, quero os meus interesses, as minhas convicções que agora não assentam em coisa nenhuma, até os medos pelos quais já perdi lembrança.
Perdi-me no tempo, na velhice, na duração dos dias.
Luto para me encontrar,mas pouco de mim me resta, o meu cérebro atrofia o corpo, quer livrar-se de mim, deste corpo inùtil, que em temos foi vida.
Sinto apenas o meu corpo a enfraquecer, a perder a vontade, a autonomia. 
Nada de mim me resta, apenas vou sobrevivendo!
Progressivamente vou perdendo tudo o que sou, arrasto-me entre o tempo, entre os espaços vazios, entre as visitas perdidas daqueles que já não conheço. Todos os dias vejo pessoas que nunca ''vi'', mas eles conhecem-me, sabem de mim. Escondem por trás de cada sorriso, todas as lágrimas, toda a mágoa por me perder.
Lamentam a minha irreversivél decadência.
Hoje lembro-me de tudo, menos dos netos, do numero do quarto e dos dias que vagueiam.
O que vivi, vivi muito. Fui gente, trouxe vida, esbocei sorrisos. Mas agora, agora não conheço ninguém.
O mundo esqueceu-me, a minha voz foi abafada pelo ruído, o mei cheiro dissipou-se na imensidão das horas, o meu rosto alterou-se, a minha vida desprendeu-se de mim e o meu corpo já não me obedece.

Sou velha,dolorida. Tenho a pele rugosa e as mãos calejadas, grossas e deformadas, os olhos vazios e o coração magoado.
Vivo num quarto, quarto esse onde cinco segundos chegam para dar a volta, perdi-me na sua pequenez, certamente não me voltarei a encotrar.
O mundo esqueceu-me, roubou-me as palavras, os interesses, as memórias.. Só me restam as amarguras.
Não entendo, estou aqui, mas não entendo, sinto que tinha tanto para dar !
Afinal de contas, hoje lembro-me de tudo, apenas não recordo o meu nome e para onde vou.

                                                                                                        Nicole