Perdi-me. Perdi-me no silêncio das lágrimas, nas mágoas alheias, nas minhas.
Deixei-me levar, caminhei. Continuei a sorrir.
Não levantei voo, fiquei colada ao chão como se em mim tivesse o peso de todas as coisas. O ruído deturpou o meu raciocino, a minha lógica da indiferença, da continuidade.
A brisa severa imobiliza o meu corpo, fatigado e frágil. Enxergo apenas o absurdo da multidão. O absurdo daquilo onde inconsequentemente me perdi.
Caminhei, como se para além de mim nada existisse. Sorri. Acenei.
O meu corpo enfraquecia a cada passo. O odor a terra molhada infiltrou-se em mim. Voltei à realidade.
Rostos desconhecidos interferiam na maneira de pensar.
Descontrolei-me na velocidade dos meus passos, como se numa correria tudo ficasse para trás, estranhamente quis passar despercebida.
Notam que estou irrequieta. Não perguntem, não quero dar respostas. Não as tenho.
Fecho os olhos num longo suspiro na esperança de que os ânimos se acalmem.
A tranquilidade ocupa o espaço fechado onde perdemos a noção das horas, sinto-me a sufocar.
Finjo observa-los, acenando afirmativamente com a cabeça e mudando de expressão. Não os oiço. Gesticulam, num tremendo esforço. Esperam reacções. Tudo o que é dito no movimento dos lábios e na oscilação das pálpebras soa como a brisa leve da Primavera, uma manhã de Domingo. Queria estar atenta.
Sabem que estou perdida em pensamentos. Num curto espaço de tempo, resolvo mentalmente meia dúzia de problemas inconstantes. Sinto-me tranquila.
Numa tentativa quase vã, despertam-me. Afirmo que concordo com tudo. Surpreende-me, acreditam nas minhas palavras trémulas.
O medo do confronto com a realidade gela cada vez mais o meu corpo. Sinto-me a desfalecer.
Ninguém percebe, aparentemente estou bem. Quando insistem demasiado mostro os dentes. Ficam satisfeitos com a expressividade do meu rosto. Assim, consigo passar despercebida por mais uns minutos, para mim são horas. Horas longas, difíceis de passar.
Questiono-me. Tanto cansaço, falta de vontade, sonolência, palpitações. Falta de horas de sono, deduzo.
Distraio-me com o ponteiro dos segundos do relógio que tenho no pulso direito. Uso-o sempre no pulso esquerdo. Manias, medo do azar que sorrateiramente aparece nas coisas com menos importância. Azar. Só pode ser isso.
Relógio no pulso esquerdo. Nada. Sinto-me a derivar, mas agora sem pensamentos concretos.
Pressinto a vibração do telemóvel que se encontra na parte mais funda da mala que carrego. Reviro a mala enfurecida, com pressa, com sede de notícias.
O tempo pára. Volto a ser eu.
Apenas uma mensagem sem importância.
Observo toda a correria à minha volta. Sinto-me envolvida na turbulência das viagens, nas rotinas dos outros.
Alguém teve a decência e o descaramento de interromper a minha meditação, a minha maneira forçada de perceber o mundo exterior.
‘’Sentes-te bem? ‘‘ Sinto-me óptima, como respondo sempre. ‘’Conheço-te bem’’, diz-me.
As minhas pernas ameaçam ceder. Vou perder o chão, penso.
‘’Está tudo bem, é só para que saibas que estou aqui, quero que me vejas. ‘’
Numa tentativa falhada de distrai-la, afirmei que já a tinha visto. Num tom irónico ripostei. Vejo muito bem.
As minhas palavras não saíram com a força desejada e cedi.
‘’Dá-me a mão’’, pede. Quero estar sozinha. ‘’Seremos então, duas sozinhas.’’
Por momentos achei que me gozava e afastei-me. Preciso mesmo de me isolar. Estupidamente disse-o de forma agressiva. Agora vou mesmo ficar sozinha.
Enquanto ajeitava os botões do casaco, dando-lhe tempo para pensar numa maneira de me convencer a ser sozinha acompanhada, reflecti.
De forma planeada, convicta e despachada, como se tratasse de tirar um penso rápido colado a uma ferida que ainda não sarou, disse-me:
‘’Tu tens força, não há-de ser nada’’
No momento em que ouvi as suas palavras quase sussurradas, dei conta de que não se passava nada. Pelo menos comigo. Nenhuma razão lógica para me sentir assim, estupidamente esquisita.
Continuou: ‘’Foca-te em ti e esquece um bocadinho os outros, os seus problemas, lida apenas com os teus’’ Não compreendi, estava prestes a perder o controlo e a virar costas.
‘’ Se tiveres coragem para ter força, vais ter garra para ajudar aqueles de quem gostas e precisas. Se eles receberem essa força vinda de ti, terão força para te ajudar quando fores tu a precisar’’
Ouvi. Interiorizei e ainda não esqueci.
O peso pendurado nos meus ombros voou para longe, desapareceu por entre os rostos que se iluminavam de novo.
Respirava sem dificuldade.
Era agora altura de delimitar prioridades e ajudar aqueles que precisam. Pedindo-lhes apenas : Dá-me a tua mão e vê que eu estou aqui.
Nicole Dinis Godinho 04-02-12